Iniciativa Negra
A liberdade é uma luta constante: efeitos e permanências do cárcere na vida de egressos e familiares pós-prisão na cidade de São Paulo

A liberdade é uma luta constante: efeitos e permanências do cárcere na vida de egressos e familiares pós-prisão na cidade de São Paulo

Relatório de pesquisa
Ana Clara Klink de Melo, Lucia Sestokas, Marcela Amaral Verdade, Viviane Balbuglio
Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas
2021
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A pesquisa “A liberdade é uma luta constante: efeitos e permanências do cárcere na vida de egressos e familiares pós-prisão na cidade de São Paulo” aponta caminhos para que o município seja um ator chave no desenvolvimento de políticas que diminuam as vulnerabilidades enfrentadas por esse público 

A Iniciativa Negra Por Uma Nova Política Sobre Drogas lançou no último dia 23 a pesquisa inédita “A liberdade é uma luta constante: efeitos e permanências do cárcere na vida de egressos e familiares pós-prisão no cidade de São Paulo”, com objetivo de investigar o acesso a órgãos e políticas públicas por pessoas afetadas pelo sistema de justiça criminal, principalmente a partir das novas situações colocadas pela pandemia. O estudo foi realizado em parceria com a AMPARAR (Associação de Amigos e Familiares de Presos/as); gabinete do vereador Eduardo Suplicy e Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC). 

Apresentando dados coletados entre dezembro de 2020 e maio de 2021, o estudo traça um amplo panorama sobre como se dá (ou não) o acesso a órgãos e políticas públicas municipais por egressos e/ou familiares que tiveram contato com o sistema de justiça criminal na cidade de São Paulo e traz sugestões que podem ajudar a solucionar problemas. “O encarceramento em massa é estrutural, mas como nós começamos a modificar as estruturas? Somente a partir de novas práticas feitas por pessoas e para pessoas nas cidades, porque é na cidade onde a vida ganha sentido na medida em que, basicamente, todas as relações se materializam.”, pondera Nathália Oliveira, co-fundadora da Iniciativa Negra.

Neste período, foram coletadas as experiências de 29 egressos e/ou familiares; realizadas 26 entrevistas com trabalhadores das redes municipal e estadual de serviços direcionados a esta população; e também contactados 9 profissionais que atuam diretamente em serviços voltados para crianças e adolescentes.

PRINCIPAIS ACHADOS DA PESQUISA

Um dado que chama a atenção é o fato de que todos os entrevistados desconheciam a existência de políticas públicas voltadas para o acesso ao trabalho enquanto estas pessoas seguem sob a custódia, ainda que indireta, do Estado. É importante destacar que pessoas com antecedentes penais, de forma geral, já enfrentam um grande estigma e preconceito, assim como dificuldades burocráticas para a emissão de documentação apropriada para ingressarem no mercado formal de trabalho. Dentre os participantes, 45% mencionaram aumento da dificuldade de acesso ao trabalho durante a pandemia, seja ele formal ou não.

“A pandemia não só agravou mas fez a gente passar muita necessidade. Não poder sair pra trabalhar. Eu e meu marido trabalhamos autônomo. Meu último emprego foi em 2011, nunca mais consegui trabalhar registrado também devido à minha passagem pela unidade”, conta um dos entrevistados.

A falta de acesso à justiça também foi um problema relatado pelos entrevistados, tendo a maioria reclamado da demora do sistema de justiça em executar atos, oferecer respostas e informações, além da dificuldade de acessar os processos judiciais. 

A falta de documentação pessoal dos egressos é apontada por profissionais de saúde, sistema de justiça e assistência social como uma questão que permeia a dificuldade de acesso a direitos básicos. Soma-se a isso o receio apontado pelos egressos de sofrerem abuso policial por não portarem documentos, o que  dificulta ainda mais o processo de regularização de sua documentação básica, e como consequência, ficam impossibilitados de ingressar no mercado de trabalho e ter atendimento e acessos adequados nos equipamentos públicos.

“Meu filho ficou doente lá dentro, estava com muita febre. Teve consulta, mas o remédio teve que entrar da rua, eu que tive que comprar. Saí com a receita e enviei o remédio.” ( familiar de sobrevivente da prisão)

Muitas das dificuldades apontadas pelas pessoas entrevistadas poderiam ser solucionadas se o município se colocasse como um ator chave para a solução desses problemas. Afinal, após as saídas das prisões, as pessoas buscam atendimento em órgãos públicos que estão sob a execução municipal, como é o caso do SUS e do SUAS. Para o vereador Eduardo Suplicy,  “agora não dá mais para a Prefeitura desconhecer esse problema. A pesquisa mostra que grande parte da dificuldade de reinserção dessa população está nos entraves existentes no acesso a serviços públicos”.

Segundo a pesquisa, é possível apontar que os programas e órgãos públicos mais acessados por essa população estão sob a esfera municipal e parte na esfera estadual. 

Destacamos como principais pontos de atenção: geração de emprego e renda; atendimento público de qualidade; acesso à saúde, acesso à justiça e a educação de qualidade

RECOMENDAÇÕES (EM ÂMBITO MUNICIPAL E ESTADUAL)

Para acelerar a discussão, a pesquisa traz ainda uma série de recomendações direcionadas a diversos serviços e equipamentos públicos que podem ajudar a solucionar problemas. A criação de serviço específico e a necessidade de identificação da relação da pessoa com a justiça criminal nos serviços são apontadas como duas questões que devem ser mais profundamente examinadas, levando em conta as especificidades dos serviços. Dentre as ações sugeridas, destacam-se:

Recomendações Gerais – ÂMBITO ESTADUAL

  • Incentivar programas de inserção no mercado de trabalho para jovens e pessoas adultas sobreviventes do cárcere, especialmente em vista das normativas já existentes na temática do acesso ao trabalho. Importante considerar a eventual necessidade de flexibilização da jornada de trabalho ou o período e condições de acesso a serviços para pessoas em cumprimento de pena ou outras medidas ligadas à justiça criminal.
  • Criar protocolos de atendimento em todos os serviços para pessoas em cumprimento de pena, sobreviventes do cárcere e familiares, garantindo uma atenção integral para suas especificidades.
  • Efetivar o acesso à saúde de pessoas que passaram pela prisão, garantindo que haja o acesso e consideração de toda a documentação de todos os medicamentos ministrados na unidade prisional no prontuário pessoal, o acesso ao prontuário pessoal proveniente da unidade prisional.
  • Levar os serviços de assistência e orientação jurídica até os equipamentos em que se encontram as pessoas, com o objetivo de realizar atividades de educação em direitos e de absorver as demandas no próprio local.
  • Fortalecer e criar mais espaços de cultura, lazer e convivência, especialmente direcionados para jovens, no sentido de fomentar a construção de perspectivas de futuro para este público.
  • Garantir o olhar e proteção integral para o/a usuário/a dos serviços, considerando sua relação com a justiça criminal como um eixo central de acesso a direitos. Atentar, aqui, para demandas jurídicas e materiais – como a impossibilidade de arcar com o custo do transporte para cumprir obrigações com a justiça -, bem como para a necessidade de acompanhamento a órgãos e instituições, em alguns casos.
  • Garantir e incentivar que os serviços que realizavam atendimento da/o usuária/o na rua dêem continuidade ao acompanhamento nas unidades prisionais, em conjunto com as equipes técnicas das unidades;
  • Retirar dos dados cadastrais do Cartão SUS a identificação da unidade prisional como endereço da pessoa, nas situações que o documento tenha sido emitido pelo próprio estabelecimento prisional;
  • Realizar o acompanhamento de pessoas “pré-egressas”, ou seja, em processo de saída da prisão ou Fundação Casa, de forma a preparar os serviços para seu posterior acesso, evitando assim que estejam em condição de urgente vulnerabilidade quando deixarem a unidade.
  • Realizar apresentações de educação em direitos sobre os serviços e distribuir materiais informativos sobre os mesmos nas unidades prisionais;

Recomendações Gerais – ÂMBITO MUNICIPAL

  • Incentivar programas de inserção no mercado de trabalho para jovens e pessoas adultas sobreviventes do cárcere, especialmente em vista das normativas já existentes na temática do acesso ao trabalho. Importante considerar a eventual necessidade de flexibilização da jornada de trabalho ou o período e condições de acesso a serviços para pessoas em cumprimento de pena ou outras medidas ligadas à justiça criminal.
  • Criar protocolos de atendimento em todos os serviços para pessoas em cumprimento de pena, sobreviventes do cárcere e familiares, garantindo uma atenção integral para suas especificidades.
  • Efetivar o acesso à saúde de pessoas que passaram pela prisão, garantindo que haja o acesso e consideração de toda a documentação de todos os medicamentos ministrados na unidade prisional no prontuário pessoal, o acesso ao prontuário pessoal proveniente da unidade prisional.
  • Levar os serviços de assistência e orientação jurídica até os equipamentos em que se encontram as pessoas, com o objetivo de realizar atividades de educação em direitos e de absorver as demandas no próprio local.
  • Fortalecer e criar mais espaços de cultura, lazer e convivência, especialmente direcionados para jovens, no sentido de fomentar a construção de perspectivas de futuro para este público.
  • Garantir o olhar e proteção integral para o/a usuário/a dos serviços, considerando sua relação com a justiça criminal como um eixo central de acesso a direitos. Atentar, aqui, para demandas jurídicas e materiais – como a impossibilidade de arcar com o custo do transporte para cumprir obrigações com a justiça -, bem como para a necessidade de acompanhamento a órgãos e instituições, em alguns casos.
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