O estado do Nordeste tem o maior número de pessoas mortas pelas forças de segurança: 1.700 em 202
SALVADOR DA BAHIA – enviado especial
“Morto, eu já sou”, diz Alexandre Querino de Oliveira, 42 anos, com um olhar sombrio e a pele pálida, agarrando seu smartphone como um náufrago segurando sua bóia. Na tela, aparecem as fotos de seu filho, Alex, de 18 anos, com o polegar levantado e um grande sorriso, trabalhando como entregador de moto, com uma grande bolsa térmica preta nas costas. “Alex era bom, engraçado, trabalhador. Ele sonhava em entrar para a polícia… e foi ela que acabou matando ele”, lamenta, com lágrimas nos olhos. A tragédia aconteceu no dia 15 de outubro de 2024, na favela “IAPI”, uma das inúmeras favelas de Salvador da Bahia que se estendem até o oceano. Por volta das 18 horas, Alex cruzou com um grupo de policiais, que o abateram com três tiros na cabeça. “Disseram que meu filho estava com drogas e um revólver. Mentira! Eles o fuzilaram sem motivo. Esses policiais têm sangue nos olhos!”, esbraveja o pai enlutado.
Em uma década, a polícia da Bahia se tornou a mais letal do Brasil: 1.700 pessoas foram mortas pelas forças de segurança em 2023, uma vítima a cada cinco horas. Na grande maioria, jovens, negros e pobres, como Alex. Esses números, provenientes da ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública, não combinam com a imagem da Bahia (Nordeste), berço de músicos geniais e o estado mais negro do Brasil. Todo 2 de fevereiro, centenas de milhares de adeptos da religião afro-brasileira do candomblé vão até suas praias para lançar rosas no mar em homenagem a Iemanjá, a deusa do mar.
Com uma área do tamanho da França e uma população de 14 milhões de habitantes, a Bahia também é o mais importante “bastião vermelho” de Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2022, ele obteve 72% dos votos no segundo turno da eleição presidencial. O Partido dos Trabalhadores (PT) governa a região há duas décadas.
Na federação brasileira, é responsabilidade do governador manter a ordem pública. Ele comanda a polícia chamada “militar”. Na Bahia, são 33.000 homens, identificáveis por seus uniformes bege e boinas azul-marinho, na linha de frente na “guerra” contra o tráfico de drogas. “A polícia militar sempre foi violenta. Isso está em sua natureza: é um legado direto da ditadura [1964-1985]”, afirma Eduardo Ribeiro, historiador e figura do movimento negro da Bahia. “A polícia militar, força auxiliar segundo a Constituição, possui armamento pesado [metralhadoras, blindados…] e obedece a uma lógica de guerra”, observa ele.
Em 2007, a esquerda tomou o controle da Bahia. O governador Jacques Wagner, fundador do PT, ex-ministro e aliado próximo de Lula, tornou-se uma figura importante na política brasileira. Em 2011, ele adotou um “pacto pela vida” que priorizava a prevenção em vez da repressão. Mas, desde 2012, a dinâmica foi rompida. Soldados entraram em greve por melhores salários e o terror se espalhou por toda a Bahia. Ônibus queimados, comércios saqueados, escolas fechadas… Em dez dias, foram encontrados 135 corpos em Salvador da Bahia. Fim da “polícia militar cidadã”. “Para o PT, isso foi um trauma. Desde então, vive com medo de sua própria polícia”, diz Ribeiro.
Em 2015, o “petista” Rui Costa sucedeu Jacques Wagner. Autoritário e desconfiado, ele consolidou seu poder se autodenominando o “primeiro policial da Bahia”. As unidades de intervenção violentas foram reforçadas. Uma operação policial na favela Cabula, em Salvador da Bahia, resultou em 12 vítimas. O governador comparou a atitude dos policiais em relação a um suspeito à de um “atacante” diante de um gol: “Ele tem apenas alguns segundos para decidir como fazer o ‘gol'”, disse.
Entre 2015 e 2023, o número de vítimas da polícia subiu de 354 para 1.700 por ano. “O PT incentivou e legitimou as atrocidades policiais”, denuncia Samuel Vida, professor de Direito e Relações Raciais da Universidade Federal da Bahia. “Hoje, nada distingue a polícia ‘de esquerda’ da Bahia das polícias sob o comando de governadores de extrema-direita em São Paulo ou no Rio. Mas não devemos minimizar a gravidade da insegurança”, acrescenta.
Na Bahia, onde uma guerra sem fim opõe cerca de 20 facções do narcotráfico, mais de 70.000 pessoas foram assassinadas entre 2013 e 2023. Esses anos coincidem com a ascensão da extrema-direita e o triunfo de seu lema “um bom bandido é um bandido morto”. “Para não ser acusado de leniência e perder eleitores, o PT adotou o discurso da extrema-direita”, analisa Vida.
“Na Bahia, os métodos da polícia militar muitas vezes se assemelham aos de uma milícia”, denuncia Wagner Moreira, coordenador da Ideas, uma ONG que oferece assistência jurídica para favelas. Silvana dos Santos pode testemunhar. Moradora da favela Gamboa de Baixo, em frente à Baía de Todos os Santos, ela perdeu seu filho Alexandre, de 20 anos, morto por policiais em 1º de março de 2022. “À noite, durante o carnaval”, suspira ela. Fechado com dois amigos em uma casa abandonada, Alexandre foi interrogado e torturado, segundo sua mãe. “Implorei para que libertassem meu filho. Em resposta, apontaram uma arma para minha cabeça e me mandaram embora!”, conta Silvana, que, ao se afastar, ouviu três tiros quebrando a noite. Para a justiça, os policiais alegaram ter sido atacados. “Eles sempre dão a mesma explicação!”, lamenta Wagner Moreira.
Desorientadas e ameaçadas de represálias, poucas famílias têm coragem de denunciar. Mariene da Silva Santos, moradora da favela de Ondina, é uma exceção. Seu filho, Gabriel, de 17 anos, foi morto junto com outro jovem por um policial militar em 1º de dezembro de 2024. Vestido à paisana e acompanhado de sua namorada, o policial executou suas vítimas em plena rua. A cena, de uma brutalidade inacreditável, foi filmada e permitiu que o policial fosse preso. “Sem esse vídeo, nunca teríamos sido levados a sério. Os policiais aqui não têm limites”, testemunha a mãe, devastada pela dor.
Diante das críticas, a corporação se fecha. “Essas histórias de abusos são casos isolados, exagerados pela mídia”, afirma um policial militar em off. No PT, não há questionamento. Rui Costa (que não respondeu às solicitações do Le Monde) já zombou no passado das “imprecisões” das ONGs, acusadas de comparar “melancias com abacaxis”. Lula evita criticar seu valioso aliado baiano, nomeado para chefiar a Casa Civil, cargo de super chefe de gabinete da presidência. “Lula fecha os olhos e se comporta como um cínico”, afirma Samuel Vida.
À frente da Bahia, o governador petista Jerônimo Rodrigues tentou dar garantias. Seiscentos soldados da polícia militar foram equipados com câmeras portáteis. “Não só é muito pouco, como essas câmeras foram destinadas a unidades secundárias, longe da ‘linha de frente'”, denuncia Eduardo Ribeiro, que pede para “acabar com a lógica de guerra” e “abrir um grande debate social” sobre os abusos.
BRUNO MEYERFELD