Marta Rodrigues, vereadora de Salvador, participa de entrevista sobre a pesquisa ‘Do descrédito ao desmonte’ e fala sobre o racismo e sistema de justiça
Em paralelo ao lançamento da pesquisa “Do descrédito ao desmonte: aplicação de alternativas penais e enfrentamento ao uso abusivo de prisões provisórias em Salvador”, realizada pela Iniciativa Negra, com o apoio do Fundo Brasil, nossa equipe conversou com personalidades ligadas ao sistema de justiça da Bahia e a setores que dialogam com a aplicação das medidas alternativas em Salvador para a produção do minidocumentário homônimo da pesquisa. O minidocumentário está disponível no canal do YouTube Iniciativa Negra.
A terceira entrevistada que trazemos é a professora e vereadora Marta Rodrigues.
Vereadora de Salvador pelo 3º mandato, Marta Rodrigues é presidenta da Comissão de Direitos Humanos e de Finanças da Câmara Municipal de Salvador.
Confira os destaques da entrevista:
Iniciativa Negra: De acordo com dados da SEAP, praticamente metade das pessoas presas na Bahia estão em caráter provisório, aguardando julgamento. O que você pensa sobre esse cenário?
Marta Rodrigues: Considero esse debate fundamental e não tem como a gente não chegar ao governo e cobrar saídas. Quem são essas pessoas que estão encarceradas e porque ainda nesse caráter provisório? Isso é muito grave. São as pessoas pretas, pobres, periféricas.
Então, eu também tenho esta preocupação. Eu acho que quando a Iniciativa Negra apresenta para a gente essa pesquisa, está nos convocando para que nós possamos, chegar junto no Judiciário, e encontrar saídas, e eu acredito que essas saídas precisam ser coletivas.
Para a gente pensar em uma nova política [sobre justiça criminal], vai passar pelo Poder Legislativo. Então, nós não queremos o poder desses espaços pelo poder, nós queremos o poder coletivo, que seja um instrumento do empoderamento e da luta. E, esta pauta que a iniciativa apresenta para a gente, tem que estar como prioridade em qualquer uma outra ação que a gente venha desenvolver, seja no município, seja do Estado ou da União.
IN: As taxas de encarceramento no Brasil cresceram muito nas últimas décadas e, tanto as pesquisas realizadas pela Iniciativa Negra quanto as realizadas por outras organizações têm apontado o papel que a Lei de Drogas teve nesse aumento do encarceramento, sobretudo a partir do artigo 33 da Lei de Drogas, que define o crime de tráfico de drogas. Como você avalia a aplicação da política de drogas no Brasil?
MR: Em nosso país é urgente, tem que alterar esta lei porque se continuar como está, a tendência é ir aumentando gradativamente este número, e não é só um número, são pessoas, são famílias e isso tem impacto na sociedade como um todo, tem que discutir também o impacto coletivo que isso causa.
A gente precisa ter essa quantidade de substância considerada como tráfico bem definida. Como não tem ainda essa política de forma bem definida regulamentada o que é que a gente vê? São prisões arbitrárias também. Para uns a prisão, para outro não é da mesma forma. Então a gente precisa trazer essa revisão.
Precisamos construir uma lei dialogando, escutando os movimentos, porque nenhuma casa legislativa, nenhum parlamentar tem condições de estar elaborando uma política com a dimensão como essa, que a gente sabe a quem atinge diretamente, no formato só de dentro para fora. A pauta tem que vir de fora para dentro da casa porque não tem mais como ver os números crescendo. Porque a gente percebe, também, tanto mais nas prisões, o número alto de pessoas encarceradas, e isso é fruto de toda essa falta de prioridade em fazer uma lei que atenda também a demanda da sociedade, porque, caso contrário, nós vamos estar vendo nossos jovens sendo cada vez mais encarcerados. Isso é de uma violência tamanha!
IN: Segundo a Defensoria Pública da Bahia, 98% das pessoas que foram presas em flagrante em 2020 foram pessoas negras, e no Estado da Bahia são atualmente mais de 13 mil pessoas que estão presas. Dentro desse universo, mais de 9 mil são justamente por crimes ligados à lei de Drogas. De um outro lado, o Conselho Nacional de Justiça aponta que, no Brasil, 62% dos juízes são homens e 80% são brancos. Para você essa diferença racial entre o perfil das pessoas que estão presas e serão condenadas e o perfil das pessoas que estão julgando interfere na aplicação de alternativas penais à prisão?
MR: O povo negro tá cansado da chicotada, da prisão, da violência, da maldade. Esse modelo perverso escravista ainda é forte e permanece na Justiça. E, quando a gente encontra advogados, juízes, promotores, defensores, ainda tem um número bem pequeno de negras e de negros, isso nos deixa com esperança muito valiosa.
Pois a branquitude é privilegiada. Quem toda a vida estudou em escola particular, não sabe o que é uma escola pública, não conhece a realidade que a população negra enfrenta. Achar que o julgar, condenar, jogar lá na prisão, que isso vai resolver. E não vai resolver. As pesquisas já mostraram para a gente.
IN: Marta, você tem uma atuação em prol da educação enquanto vereadora. O que você sugeriria como uma boa estratégia para estimular no judiciário a aplicação das alternativas penais à prisão?
MR: Sugeriria para o Judiciário a escuta, a este chamado da Iniciativa Negra, chamando também os movimentos, porque os movimentos têm suas estratégias e sabe como está buscando e de que forma nós vamos conseguir reverter essa realidade.
Então se o Judiciário também faz isso aí, quem sabe não vai mudar? E vai mudar muito, porque não vai só simplesmente para essa condenação, não. Nós estamos aqui no nosso lugar privilegiado. Nós temos condições então, só o fato de passar no concurso. E está ali que validar o direito de você condenar sem você lá dentro dessa realidade que está bem pertinho de você.
Se não, a gente vai ter uma justiça cada vez mais seletiva e punitiva. Para a gente, não vai resolver essa situação porque as pessoas querem também um outro olhar não é um olhar que criminaliza você a partir desse lugar que você está. Então é isso que o Judiciário tem. Eu penso que tem que sair desse lugar, tirar um pouco sua toga, dizer que está aqui. Dizer: “agora eu vou sentar aqui para a gente promover essa justiça.”