Participação concretiza 10 anos de incidência internacional da Iniciativa Negra na Comissão de Narcóticos das Nações Unidas, colaborando com debates importantes a respeito da política sobre drogas numa perspectiva racial. Em sua participação, o diretor da organização, Dudu Ribeiro, também denunciou a Chacina de Fazenda Coutos, ocorrida na periferia de Salvador no último carnaval.
Nos últimos dias 10 a 14 de março, a Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas participou da 68ª sessão da Comissão de Narcóticos da ONU (CND, na sigla em inglês), realizada na cidade de Viena, na Áustria. Na ocasião, a organização foi representada pelo seu diretor executivo, Dudu Ribeiro, que participou de importantes espaços de discussão a respeito da política sobre drogas ao redor do mundo, pautando a perspectiva racial e levando para o âmbito internacional a proposta do antiproibicionismo antirracista.
A Comissão, que reúne diplomacias e delegações de diferentes países, é um espaço fundamental de encontro e articulação de organizações da sociedade civil, agentes públicos e especialistas interessados em cooperação internacional no tema da política de drogas. Além de acompanhar as plenárias da Comissão, compostas por representantes dos países, a Iniciativa Negra teve presença relevante na programação de eventos paralelos que acontecem durante a sessão, os chamados side events. Além da representação de Dudu Ribeiro no espaço de Diálogo com a Delegação Brasileira organizado pela Fiocruz, a Iniciativa também teve participação em outros três eventos.
O primeiro deles, na terça-feira, dia 11, foi o side event “Desenvolvimento Alternativo: abordando as desigualdades estruturais agravadas pelas Políticas de Drogas e oportunidades para mudanças positivas”, organizado pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas do governo brasileiro, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Dudu Ribeiro foi um dos convidados do painel, colaborando com as discussões sobre desenvolvimento alternativo e políticas de drogas, a partir da perspectiva racial. Dudu também participou do evento “Vigilância e controle em cenas abertas de uso de drogas: o impacto das tecnologias de monitoramento em populações vulneráveis”, organizado pela Conectas Direitos Humanos, em parceria com outras organizações. A Iniciativa também foi parceira na promoção do side event “Política de drogas, indústrias extrativistas e direitos humanos na América Latina e no Caribe”, articulado pela Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos (REDUC).
PARTICIPAÇÃO HISTÓRICA DA INICIATIVA NEGRA NA CND
Essa é a quarta participação da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas na Comissão de Narcóticos da ONU em Viena, concretizando quase 10 anos de incidência na política sobre drogas em nível internacional. A primeira participação da Iniciativa, em 2016, foi marcada pela apresentação da Carta das Organizações Negras Brasileiras à Assembleia Geral da ONU, que denunciava o fracasso da guerra às drogas e os seus impactos sobre a vida da população negra ao redor do mundo, reivindicando uma reforma radical da política sobre drogas.

A carta, que foi apresentada pelo governo brasileiro à plenária da Assembleia no mesmo ano, marcou a primeira vez na história em que um país defendeu que o tema racial fizesse parte do debate sobre a política de drogas no âmbito das Nações Unidas. Dudu Ribeiro avalia que avanços importantes aconteceram desde então: “dez anos depois, a gente recupera o conteúdo dessa carta e reconhece a importância que a Iniciativa Negra tem, de manter esse debate vivo dentro da Comissão de Narcóticos. Na nossa primeira intervenção, em 2016, nem nos side events a gente conseguia encontrar referências ao tema do impacto da guerra às drogas na população negra ao redor do mundo. Hoje a gente consegue ver alguns países tratando desses debates”, afirma.
Para o futuro, Dudu projeta um avanço na discussão sobre o racismo e a política sobre drogas na Comissão de Narcóticos, em especial conexão com o tema da justiça climática, que tem tido atenção particular do governo do Brasil – e foi objeto de uma resolução aprovada pelo país, junto com França e Marrocos, nesta mesma reunião da Comissão. Dudu avalia positivamente a aprovação da resolução, e chama atenção para a oportunidade de avançar em políticas afirmativas que garantam a proteção das populações mais atingidas pelas mudanças climáticas e pela guerra às drogas. Segundo ele, “a perspectiva da Iniciativa Negra é conseguir propor, em 2026, junto com o governo brasileiro e outros países interessados, o tema da política de drogas e do racismo a partir de uma lógica da reparação. O tema aberto pelo governo, da justiça climática e do desenvolvimento alternativo, pode ajudar a propor soluções reparatórias, e preencher a nossa intervenção em Viena, colocando o tema racial de forma incisiva na agenda da ONU, no campo da política sobre drogas”.
INICIATIVA NEGRA DENUNCIA CHACINA DE COUTO NA ONU

Em sua participação na ONU, em Viena, Dudu Ribeiro denunciou o processo de genocídio que as populações negras e periféricas seguem enfrentando como consequência da guerra às drogas, de modo particular na cidade de Salvador, na Bahia, onde está presente uma das sedes da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas. Numa fala contundente em um dos eventos paralelos da Comissão de Narcóticos, Dudu relembrou a chacina ocorrida no bairro de Fazenda Coutos no dia 04 de março, último dia do carnaval deste ano, em uma ação policial que resultou na morte violenta de 12 pessoas.
Também chamou atenção para o fato de que o massacre acontece cerca de 10 anos depois da Chacina do Cabula, ocorrida no mesmo período do carnaval, evidenciando os desafios que ainda persistem no enfrentamento da guerra às drogas e de seus efeitos em Salvador e ao redor do mundo. “É urgente reconhecer que não há democracia quando o Estado realiza a morte enquanto política pública. Para pensar o desenvolvimento alternativo é necessário reconhecer a necropolítica e seus efeitos em nossos territórios. A Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas tem buscado contribuir ao longo desses anos com pesquisas que apontam esse cenário, mas também propondo soluções possíveis. E as mesmas soluções que apontamos há dez anos nos parecem continuar fazendo sentido”, afirmou Dudu Ribeiro na ocasião.
(Reportagem por Murilo Araújo)