Iniciativa Negra
Lançamento pesquisa 'Do descrédito ao desmonte'

Iniciativa Negra lança pesquisa sobre a aplicação de alternativas penais e o enfrentamento ao uso abusivo de prisões provisórias em salvador

Pesquisa
Segurança Pública e Sistema de Justiça
29/06/22
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Nesta quarta-feira (29), a Iniciativa Negra Por Uma Nova Política Sobre Drogas, lança, com o apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos, o estudo Do descrédito ao desmonte: aplicação de alternativas penais e enfrentamento ao uso abusivo de prisões provisórias em Salvador. Nele, se analisa como se dão as aplicações de medidas alternativas na capital da Bahia em oposição ao encarceramento.

O estudo revela que:

– As práticas institucionais de desresponsabilização da gestão municipal na execução de políticas direcionadas a pessoas impactadas pela política criminal no seu espaço urbano; 

– O desmonte, visível através da redução orçamentária e de recursos humanos, que impacta na redução da estrutura de atendimento por meio do enfraquecimento da Coordenação Integrada de Alternativas Penais pela gestão estadual na cidade de Salvador; 

– E a atuação do Poder Judiciário pautada no descrédito das medidas alternativas à prisão endossam uma política racializada de criminalização de pessoas majoritariamente negras e evidenciam esse cenário  de desmonte, descrédito e mal uso das políticas de apoio e acompanhamento às penas e medidas alternativas à prisão na cidade de Salvador.

A Bahia é pioneira em políticas de medidas alternativas à privação de liberdade, no entanto a pesquisa mostra que estas medidas têm sido mal empregadas. Outro dado revelado é que 85,4% das decisões proferidas por desembargadores do Tribunal de Justiça da Bahia em segunda instância não mencionam a situação laboral da pessoa acusada, esse desconhecimento reflete em aplicações de penas que  dificultam ou impedem o acusado de manter a fonte de renda em paralelo ao cumprimento do processo penal.

Para concepção da pesquisa, foram analisadas 36 decisões, que dizem respeito a 41 pessoas, proferidas por desembargadores do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) de janeiro a dezembro de 2020. Também foram levados em conta 105 autos de prisão em flagrante (APFs), acompanhados pela Defensoria Pública do Estado da Bahia nesse mesmo período. Entrevistas com profissionais do sistema de justiça e atuantes nos serviços de apoio e acompanhamento das pessoas apenadas ou em cumprimento de medidas alternativas complementam o estudo. 

Dos 105 autos de prisão em flagrante analisados, em 29,52% dos casos (31) houve decisão de prisão preventiva, enquanto que em 61,9% (65) houve aplicação de algum tipo de medida cautelar diversa da prisão. Dentro do universo de pessoas que receberam medidas alternativas, a proibição de ausentar-se da comarca – ou seja, do território em que reside – foi prescrita a 57% dos casos; já o recolhimento domiciliar se deu em cerca de 38% do total; a monitoração eletrônica foi imposta em 8,6% dos casos. O relatório sinaliza, ainda, que uma mesma pessoa pode receber mais de uma medida cautelar.

Apesar do número relativamente alto de deliberações alternativas à prisão, o estudo constata que boa parte carece de critérios sobre quais restrições devem ser adotadas em cada caso, muitas vezes restringindo a liberdade e as possibilidades de trabalho e dignidade da pessoa acusada. Nas decisões de primeira instância, segundo os dados coletados no relatório, 36,6% dos processos não apresentaram informações sobre a função laboral da pessoa acusada. E, em segunda instância, a grande maioria das decisões (85,4%) sequer menciona qual seja essa ocupação.

Além disso, a pesquisa revela, por meio de entrevistas, que existe, ainda, um movimento de desmonte da Central Integrada de Alternativas Penais (CIAP), encarregada do acompanhamento das medidas de comparecimento periódico ao juízo. A partir desses depoimentos, soube-se também haver uma precarização na assistência do público que é recepcionado pela prestação do serviço. Sem renovação de convênio desde dezembro de 2021, foram drasticamente reduzidas as estruturas oferecidas neste atendimento. Por isso, enquanto o número de prisões se potencializa, enfraquece o de disposições de apoio e acolhimento aos necessitados.

Em face dessa realidade, o relatório  Do descrédito ao desmonte: aplicação de alternativas penais e enfrentamento ao uso abusivo de prisões provisórias em Salvador traz uma série de recomendações a fim de construir um sistema de justiça que preze a dignidade e a liberdade das pessoas, o que também é um enfrentamento ao racismo estrutural, uma vez que é negra a maioria das pessoas encarceradas no Brasil.

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