Em dois dias de atividades, CNDH promoveu uma série de diálogos com a organizações, usuários e frequentadores do território, além de representantes dos poderes Judiciário, Executivo e Legislativo. A Iniciativa Negra denunciou violações e reforçou a necessidade de uma nova política sobre drogas.
A Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas participou da última Missão do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que aconteceu em São Paulo nos dias 19 e 20 de março, nas regiões da Luz e da Cracolândia. Organizada para investigar denúncias de violações de direitos humanos nestes territórios, a missão teve atividades de escuta da sociedade civil e de frequentadores da cena de uso de drogas, além de diálogos com agentes públicos para discutir políticas de acolhimento e redução de danos.
Dentro do CNDH, a missão foi organizada pela Comissão de Política de Drogas e Saúde Mental, pela Comissão em Defesa da População em Situação de Rua, e também pela Comissão de Segurança Pública – que atualmente é coordenada pela diretora executiva da Iniciativa Negra, Nathalia Oliveira. A missão também teve a presença de conselheiros do Conselho Nacional sobre Política de Drogas (CONAD) e do Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas e Álcool de São Paulo (COMUDA-SP), que a Iniciativa também acompanha.

De acordo com Bruna Imani, assessora de advocacy da Iniciativa Negra, a missão teve o objetivo de colher informações sobre possíveis violações de direitos humanos de pessoas usuárias de drogas nestes territórios, a fim de gerar dados que possam ser apresentados à sociedade e aos poderes públicos. Segundo ela, “durante esses dois dias, nós conversamos muito sobre o direito dessas pessoas, ouvindo desde o legislativo até as próprias pessoas usuárias, ou que moram no entorno dessas cracolândias, pra falar sobre essas infrações de direitos humanos. Essa missão foi feita para garantir que a gente tenha pautada essa questão do direito à vida, pautando uma solução para o Estado, para que essas pessoas tenham mais acesso à saúde, acesso à moradia, acesso ao cuidado, mais profissionais pautados na redução de danos e também nos direitos dessas pessoas. Não é por ser uma usuária de drogas, em situação de rua, que uma pessoa pode ter seus direitos violados e negados.”
Ana Paula Guljor, que é conselheira do CNDH e coordenadora da Comissão de Política de Drogas e Saúde Mental, aponta que os resultados da visita infelizmente reforçam um cenário de violações que já vem sendo denunciado há anos em relatórios e pesquisas que são de conhecimento do poder público, mas não provocam as mudanças necessárias. Segundo ela, “ainda hoje a gente ouve das autoridades que ‘não é bem o que acontece’, apesar de tudo que tem sido ratificado por relatórios de diversas entidades e diversos movimentos, a partir de um acompanhamento de décadas. O que eles nos trazem é que nada tem sido feito para essa mudança, pelo contrário, o que a gente observa é um refinamento das estratégias de higienismo social, que podemos dizer que têm deixado morrer essa população vulnerabilizada, principalmente ali no território da Luz”.
ESCUTAS E DIÁLOGOS NO TERRITÓRIO DA CRACOLÂNDIA
No primeiro dia de atividades, na quarta-feira (19), as organizações se reuniram na região da Luz e da Cracolândia para uma programação de visitas e momentos de escuta e diálogo. Uma das atividades aconteceu no Teatro de Contêiner Mugunzá, localizado no entorno, reunindo representantes da sociedade civil e frequentadores da cena de uso, como moradores do centro e profissionais que atuam na região. Na parte da tarde, também foram realizadas visitas a projetos de redução de danos que atuam no território.

O principal objetivo da visita foi apurar possíveis violações de direitos humanos das pessoas usuárias de drogas na região, a partir de denúncias que foram recebidas pelo Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas e Álcool de São Paulo (COMUDA). De acordo com Michel de Castro Marques, conselheiro do COMUDA, “são violações como cárcere privado, pessoas sendo impedidas de entrar e sair, a sociedade civil sendo impedida de fazer suas ações de redução de danos e de acolhimento”, entre outros desafios. Segundo ele, a visita realizada durante a Missão confirmou diversas preocupações: “a gente percebeu diversos pontos de violação de direitos humanos, como falta de acesso à água, a local de descanso, abrigo do sol e da chuva, e trabalhadores relatando que não conseguem fazer outras ações que não sejam encaminhamentos para os serviços de internação. Nós percebemos tudo isso e fizemos recomendações para a Prefeitura, como a criação de um grupo de trabalho para discutir a política municipal de drogas, pensar como ela está sendo implantada, e defender a implantação de uma política que atenda às demandas das pessoas”, afirma.
ENCONTROS INSTITUCIONAIS E AUDIÊNCIA PÚBLICA
No dia seguinte, quinta-feira (20), os representantes da missão também participaram de uma série de eventos institucionais, em atividades de diálogo com representantes do Poder Judiciário, do Executivo e do Legislativo. Na parte da manhã, a sede do Ministério Público Estadual recebeu um encontro com procuradores, promotores e defensores públicos. Em seguida, a missão promoveu uma atividade de escuta do poder público municipal e estadual, realizada no Auditório da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC). Por fim, na parte da tarde, ocorreu ainda uma audiência pública na Câmara de Vereadores da cidade.

As atividades tiveram o objetivo de apresentar para os agentes públicos o resultado dos diálogos estabelecidos na visita do dia anterior, denunciando os casos de violação de direitos humanos e propondo mudanças na política de acolhimento de usuários de drogas na cidade de São Paulo. Para Leonardo Pinho, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME), que também esteve na missão, o desafio mais central atualmente é o acesso de profissionais de redução de danos às cenas de uso no centro da cidade: “nós precisamos exigir que a Prefeitura e a Guarda Municipal parem de barrar atividades, projetos, e entidades que promovem estratégias de redução de danos, acesso a projetos de trabalho, arte e cultura, que têm sido barrados de atuação no território”, afirmou.

Na Câmara de Vereadores, o debate sobre as pautas teve contribuição direta da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, que esteve presente na audiência através da sua coordenadora de Projetos Estratégicos, Juliana Borges. Juliana atua como conselheira ad hoc da Comissão de Segurança Pública do CNDH, e fez uma fala contundente, defendendo a tomada de atitudes mais concretas por parte do poder público, a fim de avançar na promoção dos direitos humanos na Cracolândia e em outros territórios. “Uma das questões que martelam muito para nós, conselheiros e conselheiras, é quais as medidas que essa Casa Legislativa tem tomado para acompanhar as questões relacionadas à região da Luz, na cidade de São Paulo, e para discutir políticas de acolhimento e cuidado para pessoas usuárias em São Paulo. Nós vemos com muita preocupação algumas denúncias que a gente recebe, de uma atuação que nos parece uma política institucional, de uma aproximação com pessoas usuárias e com pessoas em situação de rua que nos parece um tanto problemática, e que não visa, de fato, a prevenção ou o acolhimento”, afirmou.
Defendendo a participação mais direta de movimentos e organizações, como a própria Iniciativa Negra, Juliana reforçou o potencial de contribuição que os conselhos podem ter na elaboração de novas políticas públicas. “Acho importante dizer que os conselhos estão, obviamente, à disposição para a construção dessas políticas, a partir do acúmulo histórico dos movimentos sociais e da sociedade civil, em relação a um tratamento que respeite autonomia e cuidado em liberdade para as pessoas usuárias de drogas, pensando essas pessoas também como cidadãs plenas da nossa cidade e do nosso país”, concluiu.
(Reportagem por Murilo Araújo)